Conferência de Imprensa – 24/02/2006
(na Sede da Associação 25 de Abril, em Lisboa)
EM DEFESA DA MEMÓRIA,
SOMOS TODOS ARGUIDOS !
Participantes em representação do Movimento Cívico:
Martins Guerreiro
Duran Clemente
João Almeida
Henrique Sousa
Dois membros do Movimento Cívico “Não Apaguem a Memória!”, Coronel Duran Clemente e João Almeida, foram convocados pela PSP nos dias 20 e 21 de Fevereiro e constituídos arguidos a propósito duma concentração cívica junto às antigas instalações da sede da PIDE/DGS, na Rua António Maria Cardoso, em que estiveram presentes, no passado dia 5 de Outubro, tal como muitos outros cidadãos amantes da liberdade e preocupados com a preservação da nossa memória colectiva.
Este facto, causador de natural estupefacção e indignação, suscita a este Movimento Cívico o seguinte esclarecimento e tomada de posição:
– A concentração informal de cidadãos realizada em 5 de Outubro, para protestar contra a conversão das antigas instalações da PIDE/DGS, sinistra instituição do fascismo responsável pela prisão, tortura e mesmo assassinato de milhares de portugueses, em condomínio residencial fechado, revestiu-se de um carácter sereno, pacífico e em nada perturbador da ordem pública, como todos os presentes puderam testemunhar, incluindo os representantes da Comunicação Social que lá se deslocaram.
– A pretensão de autoridades policiais de converterem em crime uma legítima acção colectiva de cidadãos, que tranquila e serenamente exprimiram o seu ponto de vista, no uso das liberdades consagradas na Constituição, e de assim desperdiçarem recursos, tempo e meios tão necessários para o efectivo combate ao crime e à corrupção,é uma incompreensível acção intimidatória que importa denunciar para que suscite um generalizado, firme e mais vasto movimento de repúdio na sociedade portuguesa.
A tentativa de reprimir um acto de cidadania é tanto mais intolerável quanto a nossa sociedade democrática o que precisa é de mais participação e de mais iniciativa dos cidadãos e não o contrário!
– Aos nossos companheiros vítimas desta perseguição arbitrária, injustificada e sem fundamento, afirmamos publicamente a solidariedade activa de todos os membros do Movimento Cívico e a exigência de que seja posto termo a esta ridícula e injustificada perseguição policial.
E, com toda a clareza, afirmamos: fomos muitos, membros ou não deste Movimento Cívico depois constituído, os que estivemos na concentração informal de 5 de Outubro. Todos somos responsáveis por um acto de liberdade que deveria ser, não perseguido nem criminalizado, mas valorizado como um pacífico exercício de cidadania responsável!
O Movimento Cívico “Não Apaguem a Memória!”, foi constituído em reunião plenária na Biblioteca-Museu da República e Resistência, prestigiada instituição devotada à investigação histórica e divulgação de valores democráticos, a partir de cidadãos que estiveram presentes na concentração de 5 de Outubro e que entenderam que era necessário prosseguir, de modo organizado e continuado, o esforço de mobilização cívica para a preservação da memória colectiva sobre a ditadura do chamado “Estado Novo” e sobre os combates pela liberdade travados nesse período por muitos portugueses.
Tem vindo a colher a adesão e o apoio de portugueses dos mais diversos quadrantes sociais e políticos, de prestigiados resistentes antifascistas, de sindicalistas, de historiadores, de escritores, de organizações sociais relevantes, como a prestigiada Associação 25 de Abril (cujas instalações nos foram cedidas para esta iniciativa e que tem sido incansável no seu continuado apoio), a Fundação Humberto Delgado, a FENPROF, o SPGL, o STML, a ATTAC, a Associação República e Laicidade, etc.
Este Movimento Cívico está a realizar contactos com diversas entidades públicas e organizações sociais, no sentido de dar corpo aos objectivos que orientaram a sua constituição e que estão expressos no abaixo-assinado sujeito à subscrição pública, o qual num curto espaço de tempo reuniu já mais de 1 500 assinaturas.
Queremos aqui destacar o frutuoso e positivo diálogo institucional estabelecido com o Ministério da Justiça e com representantes da magistratura judicial do Tribunal da Boa Hora, que conduziu já à autorização superior para ali ser instalada uma placa memorial que recorde o que foi o tristemente célebre Tribunal Plenário da ditadura. O diálogo agora estabelecido com a Câmara Municipal de Lisboa para que seja possível, pela cooperação de esforços e pelo diálogo com o promotor imobiliário, encontrar uma solução que preserve no local a memória e a lição, para as futuras gerações, do que foi a sinistra PIDE/DGS e de quem ali resistiu. Os contactos com deputados (vários dos quais, de diversos grupos políticos, subscritores do abaixo-assinado) e grupos parlamentares para a sensibilização da Assembleia da República no sentido de assumir também o seu indispensável papel na responsabilização do Estado pela salvaguarda, investigação e divulgação da memória do fascismo e da resistência, designadamente no que respeita aos seus espaços simbólicos mais importantes que sejam de carácter público. Os contactos em curso com a Câmara Municipal de Peniche e a preparação duma grande deslocação colectiva ao Forte de Peniche, no sentido de contribuir para a necessária mobilização e convergência de todas as boas vontades no sentido de serem assegurados os necessários apoios públicos à necessária e qualificada preservação daquele espaço, cuja história é inseparável da memória da repressão das liberdades, mas também de alguns dos momentos mais significativos da resistência.
Tudo isto, todo o activismo deste Movimento, queremos sublinhá-lo, assenta no voluntariado e na solidariedade e estímulo de organizações sociais e instituições que têm compreendido e valorizado a nobreza e interesse social e cívico dos seus propósitos.
Assim vamos continuar, não desistindo de combater para que espaços simbólicos como o Aljube, o Forte de Caxias, o Forte de Peniche, as instalações fundamentais da antiga PIDE/DGS, contenham espaços, elementos memoriais e históricos que preservem o significado e as lições dum período decisivo da História do século XX português.
Porque sem preservação da memória, não é possível construir um melhor futuro!