A historiadora e activista do Movimento, Irene Flunser Pimentel, elaborou para a cerimónia de descerramento da lápide condenando a acção dos “tribunais plenários”, dois textos que situam o contexto em que surgiram estes instrumentos de repressão do Estado Novo. Publicamos hoje o primeiro deles, sobre a origem desta “justiça pidesca”.
Dos tribunais militares aos tribunais plenários
Após o golpe de 28 de Maio de 1926, um decreto de 30 de Julho da Ditadura Militar atribuiu aos tribunais militares os julgamentos das infracções contra a segurança do Estado e outro diploma de 22 de Novembro de 1929 deu, às autoridades policiais, poderes especiais de instrução e até de julgamento de certas infracções. Por outro lado, foram criados, em Março de 1927, tribunais militares, extintos em 1930, e substituídos, pelos dois Tribunais Militares Especiais (TME) de Lisboa e do Porto, criados pelo Decreto n.º 19 143. Estes últimos foram, assim, os antecedentes históricos directos do tribunal permanente da Ditadura Militar, criado pelo Decreto n.º 21 942 de 5 de Dezembro de 1932, que passou a julgar sumariamente, até 1945, os detidos indiciados como réus em processos de «crimes contra a segurança do Estado».
Inicialmente destinado a julgar delitos de carácter político, bem como crimes de rebelião, com porte e uso de armas e bombas explosivas em movimentos revolucionários, o TME viu as suas competências alargadas aos casos de greves, lock-out e sedição que afectassem a ordem e a disciplina social. Durante a II Guerra Mundial, passou também a julgar crimes de açambarcamento, especulação, contra a economia nacional, bem como de matança clandestina, furto de metais e acessórios de automóveis.
Com o DL n.º 35 044, de 20 de Outubro de 1945, os julgamentos de casos políticos deixaram de estar a cargo desses tribunais militares, dos juízos criminais ad hoc ou dos tribunais da Marinha e passaram para um órgão específico do corpo da magistratura criminal – o Tribunal Plenário Criminal. Segundo alguns autores, a criação dos tribunais plenários, “civilizando” os antigos tribunais militares, foi uma tentativa, por parte do Estado Novo, de mascarar uma situação, que, a nível externo, não era bem vista, após a vitória das democracias, na II Guerra Mundial. Na verdade, não deixaram de ser «tribunais especiais», tal como os tribunais militares anteriores, além de que as penas aplicáveis aos crimes ditos contra a segurança interna do Estado se agravaram substancialmente.
Esses «novos tribunais de excepção», «cujos juízes e acusador público eram nomeados segundo critérios de estrita confiança política», continuaram a funcionar como «um apêndice judicial da polícia política: cobriam as ilegalidades e violências cometidas pela PIDE, na instrução dos processos, aceitavam como prova os autos de declarações por ela preparados, com recurso à tortura e intimidação, e julgavam segundo os critérios aconselhados nos relatórios da polícia que acompanhavam os processos». Lembre-se, além disso, que, nas cadeias da PIDE/DGS, os advogados de defesa só podiam falar com os seus clientes na presença de um agente dessa polícia ou de um guarda prisional e, no Plenário, muitos deles também foram alvo de processos e alguns mesmo de agressão e prisão, por terem pretensamente desrespeitado o tribunal. Por exemplo, o advogado de defesa Manuel João da Palma Carlos foi condenado, por desrespeito ao tribunal, a sete meses de prisão, um ano de privação de direitos políticos e um ano de suspensão de exercício de advocacia.
Entre os mais conhecidos juízes dos tribunais plenários, ao longo dos anos, contaram-se o desembargador João António da Silva Caldeira, que presidiu a inúmeros julgamentos em Lisboa, tal como os juízes Cardoso de Meneses, António de Almeida Moura, Correia Barreto, Arelo Manso e Morgado Florindo, Mesquita Abreu, Borges da Gama, Albuquerque Bettencourt e Furtado dos Santos [1]. No tribunal plenário do Porto, presidiram ao Antero Cardoso, Jesus Coelho, António Laranjo, Azevedo Soares, Pinto de Freitas, João Vieira de Castro e Morais Campilho. Entre juízes assessores e representantes do Ministério Público, em Lisboa, destacam-se Fernando Lopes de Melo, Ilídio Bordalo Soares, Simões de Carvalho, Carlos Alberto Soares, Augusto Saudade e Silva, Bernardino de Sousa, Costa Saraiva, Serafim das Neves, João de Sá Alves Cortês, Guilherme Lourenço Pinheiro, Jorge Remísio Pereira Lopes. No Porto, contaram-se entre outros, Cura Mariano, Emídio Beirão Pires da Cruz, Américo Góis Pinheiro, Fernando Pinto Gomes, João Figueiredo de Sousa, António Simões Ventura, Joaquim Rodrigues Gonçalves, Abel de Campos, Manuel Meneses Falcão e Gil Moreira dos Santos.
nota 1: «O que era a justiça antes do 25 de Abril», Jornal de Notícias, 19/11/1974; Ana Paula Azevedo, «O braço judicial da PIDE», 2/4/1994, p. 12.