O constitucionalista e conselheiro de Estado, Gomes Canotilho, esteve presente na cerimónia da Boa-Hora, de descerramento da lápide reabilitando as vítimas do “tribunais plenários”, enviando esta mensagem, que nos sentimos no dever de divulgar.
Há um dever de memória, cívico e republicano. Que é também um dever de justa memória perante aquelas e aqueles que, de forma abnegada, contribuíram para o reencontro dos portugueses consigo próprios e com os povos do mundo.
Não se trata, como pretendem alguns, de olhar resignadamente para o passado. Mas, perante a memória impedida, a memória interrompida, a memória manipulada, a memória apagada, é um imperativo moral e político não deixar esquecer o que não se pode nem deve esquecer.
Não se deve esquecer que houve uma ditadura corporativa visceralmente inimiga das liberdades pessoais, das liberdades políticas e das liberdades dos trabalhadores.
Não se deve nem se pode apagar a memórias das polícias políticas, da censura, da liquidação de adversários políticos. Esta memória tem espaços de representações e de sofrimentos. Houve “peniches” e “tarrafais”. Houve ruas “antónio maria cardoso” onde tombaram resistentes e se exerceu a tortura. A sobrevivência destes espaços – sobretudo dos mais representativos – é um dever de memória contra urbanismos perversamente purificadores e regeneradores.
“Não deixar apagar a memória” é um grito de preocupação política e moral. Gostaria, por isso, de me associar a este movimento com um abraço fraternal do fundo do coração.
Coimbra, 5 de Dezembro de 2006
José Joaquim Gomes Canotilho