O Movimento Cívico Não Apaguem a Memória! apresentou ao presidente da Assembleia da República, no passado 26 de Julho, a Petição sobre a salvaguarda histórica do papel da resistência democrática durante o regime ditatorial do Estado Novo. Jaime Gama mostrou-se receptivo às reivindicações subscritas por mais de seis mil cidadãos e encaminhou-as para a 1ª Comissão parlamentar. No decorrer do encontro concordou com a ideia do Movimento desenvolver contactos com os grupos parlamentares, para os pôr ao corrente dos seus objectivos.
Nesse sentido, foram solicitadas audiências a todos os partidos com assento na Assembleia da República (AR), que se iniciaram em 22 de Setembro, com o Bloco de Esquerda, e se concluíram no passado 26 de Outubro, com um encontro com o CDS-PP.
O Movimento entendeu ser importante pôr o presidente da Assembleia da República ao corrente dos conversas tidas com os grupos parlamentares o que fez na passada semana.
Consideramos útil, por isso, apresentar publicamente uma síntese dos resultados desses vários encontros, sobretudo por o Movimento considerar de fundamental importância que a AR tome uma decisão no sentido de garantir a preservação, investigação e divulgação da memória da resistência à ditadura.
Antes de mais devemos sublinhar a receptividade que registamos em todas as audiências e a disponibilidade dos nossos interlocutores relativamente à matéria em questão.
Para facilidade de exposição vamos recordar os pontos sobre os quais incidiu a intervenção do Movimento, procedendo, em seguida, à leitura que fizemos das respostas obtidas no decurso desta ronda parlamentar.
1. Reparação às vítimas do fascismo: relativamente aos presos, exilados, clandestinos e perseguidos pelo regime ditatorial do Estado Novo, entende o Movimento Cívico que embora exista legislação que cobre a maioria dos casos, existem lacunas e algumas situações não foram ainda resolvidas a contento dos legítimos direitos dos resistentes.
2. Preservação dos edifícios símbolos da repressão fascista e da liberdade conquistada: consideramos ser importante legislar nesta matéria, para que possa ser assegurada a protecção urbanística, ambiental e outra, que delimite o direito de uso destes espaços, sejam eles propriedade pública ou privada. Entendemos ser fundamental assinalar um Roteiro da Memória, que reflicta o que foi a atitude da resistência democrática, tanto no âmbito nacional quanto local, para que seja dado testemunho às gerações actuais e futuras.
3. Criação de um Museu Nacional da Resistência e da Liberdade que poderia constituir uma rede de museus que abranja todo o território nacional. É o caso em França, onde essa rede é controlada pela Direcção dos Museus de França, sendo cada um deles apoiado e gerido por associações cívicas.
4. Criação de um Memorial aos presos políticos relativo ao período do fascismo, que pelo seu simbolismo e carga histórico poderia localizar-se na Rua António Maria Cardoso, em Lisboa, onde no dia 25 de Abril de 1974 caíram, sob o fogo dos agentes da polícia política, as derradeiras vítimas do fascismo.
5. Incentivo a um conhecimento mais amplo da história contemporânea no seu período mais recente, em particular nas escolas para que seja acautelada a transmissão às novas gerações dos valores cívicos da democracia e da liberdade.
6. Elaboração de uma política de arquivos documentais respeitante ao período histórico em questão, sendo a Torre do Tombo o elemento nuclear.
7. Identificação de Roteiros da Resistência e da Liberdade de âmbito local, em ligação com o Roteiro da Memória sublinhado no ponto 2., de forma a assinalar os lugares que marcaram as lutas do povo português pela liberdade e pela conquista da democracia. A proposta tem em vista a oferta de itinerários político-culturais, destinados aos turistas, nacionais e estrangeiros, aos jovens e às escolas, dinamizados a nível local pelas autarquias.
8. Toponímia urbana: reconhecer com esse gesto de respeito pela memória dos resistentes, o que significou o seu exemplo de luta e abnegação cívica no combate pela liberdade.
A audiência com o grupo parlamentar do Bloco de Esquerda decorreu a 22 de Setembro e foram interlocutores do Movimento os deputados Fernando Rosas e João Semedo.
Foi-nos assegurada a total receptividade do Bloco de Esquerda (BE) aos objectivos do Movimento. Foi abordado o tema sobre qual a figura legal que melhor responderia aos objectivos apresentados pelo Movimento, sendo mencionada a possibilidade da adopção de uma Lei-quadro. Contudo, a aceitação de uma Resolução vinculativa para com o executivo governamental foi considerada igualmente como uma possibilidade credível.
Sendo desejável uma aprovação parlamentar, a mais ampla possível, o BE declarou-se disponível para explorar as possibilidades desse acordo alargado.
A questão crítica da obtenção de verbas para a realização dos projectos considerados prioritários pelo Movimento, bem como os custos de manutenção dos espaços memoriais, foi igualmente discutida, sendo sugerida a possibilidade de inclusão de alguns projectos do Movimento para serem custeados no âmbito do PIDDAC.
A audiência com o grupo parlamentar do Partido Socialista decorreu a 29 de Setembro e foram interlocutores do Movimento os deputados Alberto Martins, Manuel Alegre, Marques Júnior, Osvaldo de Castro e Ricardo Rodrigues.
O encontro permitiu uma vasta troca de impressões com os representantes do Partido Socialista (PS). As múltiplas intervenções evidenciaram a convergência com os objectivos do Movimento por parte dos deputados socialistas, que destacaram a importância de ser tratada, no foro parlamentar, a questão relativa à salvaguarda da memória da resistência anti-fascista e da liberdade conquistada com o 25 de Abril. Também concordaram com a importância de se procurar o mais amplo consenso parlamentar. Consideraram, no entanto, desejável que o debate parlamentar sobre a Petição apresentada pelo Movimento, não se dilatasse excessivamente no tempo.
Sobre a moldura legal que deve enquadrar os objectivos do Movimento, quanto à preservação da memória histórica da Resistência à ditadura, consideraram necessário aprofundar o debate interno, levando-o depois à discussão com os grupos parlamentares.
A audiência com o grupo parlamentar do Partido Comunista Português decorreu a 4 de Outubro, tendo o Movimento sido recebido pela deputada Odete Santos.
Depois de ouvir a exposição do Movimento, a deputada Odete Santos destacou a necessidade dos programas escolares darem maior destaque à história contemporânea, em particular à conquista do regime democrático. Isto sem prejuízo dos demais aspectos referidos na exposição do Movimento.
A necessidade de um apoio consensual parlamentar foi realçado pela deputada, que considerou a adopção de uma Lei-quadro a figura constitucional que melhor corpo dá aos objectivos da Petição.
A concluir, considerou que a bancada do PCP não deixará de acolher favoravelmente uma proposta parlamentar no sentido da salvaguarda da memória da resistência à ditadura.
A audiência com o grupo parlamentar do Partido Ecológico “Os Verdes” decorreu a 10 de Outubro e foi interlocutor do Movimento a chefe do gabinete, Natividade Coutinho [devido a doença do deputado foi-nos proposto um adiamento, mas o Movimento optou pela manutenção do calendário das audiências, certo que a mensagem entregue seria canalizada para o grupo parlamentar].
A delegação do Movimento apresentou os seus objectivos e salientou a necessidade de definir qual o quadro legal e constitucional melhor adoptado aos objectivos do “dever da memória”.
A chefe de gabinete manifestou uma opinião favorável aos propósitos do Movimento considerando-os da maior relevância cívica e política.
A audiência com o grupo parlamentar do Partido Social-Democrata decorreu a 13 de Outubro e foi interlocutor do Movimento o deputado Pedro Quartin Graça.
O deputado social-democrata tomou nota dos objectivos expostos pelo Movimento e assegurou que deles dará conhecimento à bancada parlamentar do Partido Social-Democrata (PSD). A delegação do Movimento auscultou a opinião do deputado sobre o formato legal mais adequado para materializar as reivindicações da Petição, colocando-se, de resto, na disponibilidade da Assembleia da República para vir a colaborar com a comissão a quem incumbir apresentar a proposta legislativa.
Outro aspecto debatido foi o da obtenção de verbas, tendo a delegação do Movimento sublinhado entender ser da competência do Estado português, com o apoio e a participação da sociedade civil, assumir o “dever da memória”.
No final o deputado Quartin Graça considerou as pretensões apresentadas pelo Movimento comedidas e razoáveis.
A audiência com o grupo parlamentar do Centro Democrático-Social/Partido Popular decorreu a 26 de Outubro e foi interlocutor do Movimento o deputado Nuno Magalhães.
A conversa com o deputado centrista permitiu uma positiva troca de pontos de vista sobre a intervenção cívica dos movimentos democráticos na resistência à ditadura. O deputado Nuno Magalhães acolheu com muito interesse a exposição da delegação do Movimento, não deixando de frisar que a sua posição poderia não ser unânime no seu grupo parlamentar. Mas considerou positivo que o Movimento procurasse a aprovação dos objectivos da sua Petição através de uma maioria parlamentar a mais ampla possível. Registou a disponibilidade do Movimento em colaborar com a Assembleia da República na definição do dispositivo constitucional que melhor se adeque às suas propostas.
O representante do CDS-PP comprometeu-se a dar conhecimento das propostas do Movimento à bancada parlamentar do seu partido, salientando a importância do ensino nas escolas da história contemporânea recente.
Ressaltou a importância do texto que vier a ser apresentado para debate parlamentar ser redigido de forma a criar condições favoráveis a um acordo o mais amplo possível, uma vez que no seu entender esta causa deve ser vista como uma causa de interesse nacional.
O Movimento congratula-se com a receptividade que obteve nesta ronda parlamentar e espera que ainda no decorrer desta legislatura os objectivos da sua Petição possam ser apresentados em plenário da Assembleia da República e aí vir a ser aprovada a sua concretização.