27.04.2008, Mariana Oliveira
Sentado numa cadeira e com uma voz pausada, Estaline de Jesus Rodrigues, 75 anos, conta aquelas histórias que o Presidente da República teima que não devem ficar esquecidas. O movimento Não Apaguem a Memória tenta reescrevê-las a cores. Estaline de Jesus Rodrigues pincelou ontem a história, no antigo edifício da PIDE (Polícia Internacional e de Defesa do Estado) no Porto.
Antes do começar o relato, o ex-preso político tenta matar uma curiosidade com quase quatro décadas. “Eu estava preso na cave e um dia consegui ver pelas frestas da porta dois pides a trazer um indivíduo e a atirá-lo com força para a cama. Vinha em muito mau estado, por acaso essa pessoa não está aqui?” Silêncio. Ninguém se acusa. A curiosidade não morre no primeiro regresso de Estaline Rodrigues à sede da PIDE no Porto, onde esteve detido entre Maio e Junho de 1970.
Era do Partido Comunista Português e esteve ligado à organização de uma grande manifestação no Barreiro e na Moita em 1970. Na sequência do protesto foi detido e enviado para o Porto. Tinha estado preso duas vezes antes e passou por outras cadeias depois. Mas o mês que esteve no Porto merece o apelido de “passagem mais terrível” pelas prisões nacionais.
Não esconde a dor das memórias e reconhece, por isso, que durante muitos anos ela, a memória, esteve meia perdida, sem querer ser encontrada. Os documentos que foi buscar à Torre do Tombo ficaram à espera da vontade para os ler. “Durante muito tempo não fui capaz”, admite. Realçando que o 25 de Abril já tem 34 anos, diz que só muito recentemente reencontrou a sua história. “Descobri que quando estive aqui fui levado para a tortura dia 4 de Maio e só voltei a 22, em braços. Um amigo meu contou-me há pouco tempo que quando me viu não me reconheceu. Eu deitava pus pelos olhos e pelos ouvidos”, conta. A afirmação arrepia as cerca de cem pessoas presentes. Mas Estaline não desarma. É para que todos não se esqueçam que Salazar existiu, que a PIDE existiu, que a tortura existiu.
Álvaro Monteiro, 65 anos, veio com o colega. Mas do Porto tem uma imagem mais branda. “Foi aqui que tive conhecimento do nascimento da minha filha”, conta com emoção. Mas não esquece a imundície: “Eram percevejos, baratas e piolhos. As necessidades eram feitas num balde.”
[Artigo do Jornal Público de 27 de Abril de 2008]