Ao longo de mais de 30 anos a cadeia do Aljube, em Lisboa, foi um dos principais símbolos da repressão fascista.
Os presos eram aí encarcerados em celas com cerca de 2,20×1,50 m, enxovias onde a cama era uma tarimba em madeira com uma enxerga sem lençóis. Não havia luz natural, mas uma pequena lâmpada que só acendia nas horas de refeição e um pouco antes do silêncio nocturno. Pela sua dimensão, onde só cabia uma pessoa, estas celas ficaram conhecidas como “curros”. O isolamento era total e as visitas de familiares, raras.
A estas condições de detenção juntavam-se outras não menos vergonhosas e vexatórias da dignidade dos presos: não tinham direito à posse de qualquer objecto pessoal, não podiam usar cinto nem atacadores, a leitura era proibida. Só tinham direito a um banho por semana, quando havia, no mesmo local onde evacuavam: por cima da “turca” colocavam um estrado de madeira.
Nestas condições estiveram encarcerados por longos períodos, que chegaram a atingir seis meses sem visitas, milhares de portugueses que lutaram contra a opressão do regime salazarista.
Devido a queixas várias, entre as quais da Amnistia Internacional, o Aljube acabou por ser fechado em Agosto de 1965 e em 1968 Marcelo Caetano ordenou a destruição dos “curros”.
No mundo concentracionário do fascismo português, que foi uma realidade brutal, a cadeia do Aljube constituía a primeira etapa do que era um verdadeiro Roteiro do Terror: seguiam-se longos interrogatórios, que chegavam a durar semanas, na sede da PIDE na Rua António Maria Cardoso, em cujas salas foram infligidas as torturas do sono e da estátua e executados brutais espancamentos. O Forte de Caxias, o Forte de Peniche e os terríveis campos de concentração do Tarrafal e de S. Nicolau, foram outros locais de opressão e tortura do regime salazarista.
O tempo de detenção dos presos, mesmo quando em cumprimento de pena, aplicada em julgamentos fantoches no sinistro Tribunal Plenário, ficava sempre ao arbítrio da PIDE e durava o tempo que esta entendesse ao abrigo da famosa lei das “medidas de segurança” que estabelecia que o tempo de condenação podia ser prorrogado por períodos de três anos renováveis: em resultado disso muitos resistentes passaram longos anos na prisão, sem nunca saberem quando seriam libertados.
Por todas estas razões e porque se assiste a uma consistente tentativa de apagar a memória do que foi a resistência ao fascismo, quando o regime democrático para o qual estes resistentes contribuíram significativamente se mantém estranhamente desatento a este passado, os signatários, ex-presos políticos, tomam a iniciativa de apelar a todos os companheiros de luta para que se juntem a nós na exigência da recuperação do edifício do Aljube como local de memória da resistência ao fascismo.
Não consentiremos no branqueamento do fascismo nem na deturpação da luta dos resistentes!
Lisboa, 1 de Julho de 2006
Subscrevem este manifesto os antigos presos políticos:
Aguinaldo Cabral; Alexandre Castanheira; Alfredo Caldeira; Ana Abel; António Almeida; António Borges Coelho; António Crisóstomo Teixeira; António Dias Lourenço; António Escudeiro; Armando Baptista Bastos; Artur Pinto; Carlos Brito; Carlos Sebrosa; Diana Andringa; Domingos Lopes; Edmundo Pedro; Fernando José Baeta Neves; Fernando Vicente; Fernando Rosas; Filipe Rosas; Hermínio da Palma Inácio; Isabel do Carmo; Jorge Araújo; Jorge Galamba Marques; Jorge Neto Valente; Jorge Vasconcelos; José Fonseca e Costa; José Manuel Taborda; José Manuel Tavares de Moura; José Medeiros Ferreira; José Manuel Tengarrinha; José Morais; Manuel Serra; Maria João Gerardo; Mário A. F. Neto; Mário de Carvalho; Matilde Bento; Nuno Teotónio Pereira; Rui M. Rodrigues Pereira; Sara Amâncio; Ulpiano Nascimento; Urbano Tavares Rodrigues.
Movimento “Não Apaguem a Memória”