Jaime Gama encaminhou a Petição para a comissão de Direitos Constitucionais (Nota à Imprensa)

fotografia da fachada do Parlamento Português - fotografia pertencente ao panfleto da A.R. (uma visita à Assembleia da República)“Afável e cordial, com partilha de opiniões e convergência de objectivos”, assim qualificou a reunião de ontem com o presidente da Assembleia da República, Jaime Gama, o porta-voz da delegação do Movimento, Henrique de Sousa. O encontro teve por finalidade entregar na Assembleia da República (AR) a petição que o Movimento promoveu após a concentração em frente à antiga sede da PIDE, na Rua António Maria Cardoso, em Lisboa, demolida em favor de um condomínio de luxo, em 5 de Outubro de 2005.

A delegação do Movimento, composta por Catarina Prista, Edmundo Pedro, Henrique de Sousa, Lúcia Ezaguy, Martins Guerreiro e Teresa Spranger, salientou a pluralidade política e social dos signatários da petição, com 6048 subscritores, entre eles os antigos Presidentes da República, Jorge Sampaio e Mário Soares.


No decurso do encontro, os membros da delegação deram conta dos objectivos do Movimento, surgido depois do protesto contra a reciclagem da antiga sede da PIDE em condomínio de luxo. Com esta iniciativa alargaram o âmbito da sua intervenção à defesa da memória de todos os locais representativos da resistência à ditadura militar e ao regime corporativo do Estado Novo.

Jaime Gama, acompanhado da deputada Celeste Correia, concluiu que a petição, pelo seu teor e fins, deveria ser encaminhada para a comissão parlamentar de Direitos Constitucionais – Direitos, Liberdades e Garantias, que a deverá integrar nos seus trabalhos na próxima sessão legislativa.

A reunião prolongou-se por uma boa hora, durante a qual foi possível confirmar larga convergência de pontos de vista com o presidente da AR, que subscreveu os termos da carta que acompanha a petição quanto à responsabilidade do Estado democrático na “preservação duradoura e divulgação da memória colectiva dos combates pela democracia e pela liberdade”.

Em concreto, foram apontados os casos do Aljube e do Forte de Peniche, que pelo seu simbolismo de repressão e tortura durante o Estado Novo, podem constituir pólos nacionais para museus de “resistência e liberdade”. A estes acrescentou-se, no decurso da troca de opiniões, o Forte de Angra de Heroísmo, nos Açores, e a sede da PIDE no Porto, na Rua do Heroísmo, na generalidade edifícios propriedade do Estado e, por isso, facilmente convertíveis em espaços históricos da memória contra a ditadura no século XX português.

O papel do Ministério da Justiça, em particular, foi destacado por todos os intervenientes, sobretudo tendo em conta que o actual ministro, Alberto Costa, foi, também ele, um dos antigos presos políticos, que passou pelas cadeias do regime ditatorial.

A delegação do Movimento deu conta dos passos dados e dos objectivos já alcançados, em especial a evocação no Tribunal da Boa-Hora do que foi o exemplo de ignomínia e iniquidade dos “tribunais plenários”, criados pelo Estado Novo para julgar e condenar de acordo com a vontade expressa da polícia política do regime. Falou-se igualmente das negociações em curso com a Câmara Municipal de Lisboa e o promotor imobiliário da Rua António Maria Cardoso, no sentido de criar no condomínio um espaço histórico onde se inscreva a memória dos lutadores pela liberdade.

Jaime Gama trouxe à colação a sua costela de historiador para louvar os esforços que o Movimento possa fazer para retirar do esquecimento a lista, tanto quanto possível exaustiva, dos presos políticos que passaram pelas prisões fascistas. Considerou que nesse campo muito há a fazer e que à própria AR compete aí desempenhar um papel. Ilustrou a sua tese com o exemplo cívico que durante quatro décadas deram os candidatos da oposição democrática, ao apresentarem-se, sem desfalecer, a uma luta desigual, com uma Comissão de Censura a limitar-lhes a expressão da opinião e a prisão quase certa no final da mascarada eleitoral. O mesmo se deverá fazer com os funcionários públicos afastados compulsivamente do seu trabalho, de que o exemplo mais terrível foi o da utilização das listas dos apoiantes do Movimento de Unidade Democrática, na década de 1940, entregues no Governo Civil de Lisboa, confiantes os seus subscritores na promessa de Salazar de que “as eleições seriam tão livres como na livre Inglaterra”. O resultado foi a depuração dos que tinham vínculo ao Estado.

Jaime Gama apoiou inteiramente a ideia do Movimento de criar, em conjugação com as autarquias e a administração central, “Roteiros da Memória”, que dêem a conhecer aos turistas, portugueses e estrangeiros, os exemplos de coragem e dedicação à democracia e justiça social que tantos resistentes deram e muitos pagaram com a própria vida.
Nesse aspecto, elogiou o carácter plural, social e politicamente, do Movimento, bem como a sua natureza descentralizada e autónoma, que todos consideraram ser uma “mais valia”, em termos de mobilização da opinião pública, para com os objectivos do “Não Apaguem a Memória!”.

A talhe de foice abordou-se ainda a situação do campo de concentração do Tarrafal, em Cabo Verde. Pela sua localização além-fronteiras e pela sua utilização repressiva, tanto para com os oposicionistas portugueses como para com os activistas dos movimentos de libertação dos países africanos, constitui um caso sui generis. Por isso, pode vir a ser, agora, um traço de união entre os países da CPLP (Comunidade de Países de Língua Portuguesa).

Lisboa 27 Julho 2006