local: ANTIGO CAMPO DE CONCENTRAÇÃO DO TARRAFAL
(28/04/ a 01/05/2009)
Com o alto patrocínio do Presidente da República de Cabo Verde e do Ministério da Cultura de Cabo Verde, de Angola e Governo de Timor Leste, organizado pelo Fundação Amílcar Cabral e Fundação Mário Soares, contando com o apoio da Fundação Agostinho Neto, Fundação Eduardo dos Santos, Fundação Sagrada Esperança, Liga dos Antigos Combatentes de Angola e CODESRIA, realizou-se entre 28 de Abril e 01 de Maio de 2009, nas antigas instalações do Campo de Concentração do Tarrafal, um Simpósio Internacional sobre o Tarrafal com o objectivo de homenagear todos quantos sofreram neste local as agruras do fascismo e do colonialismo, quando se passam 35 anos do seu encerramento. Para tal, foram convidados os ex-presos sobreviventes e outras personalidades, tendo comparecido em grande número.
As Palavras de Boas-Vindas foram proferidas pelo Coordenador da Comissão Organizadora do Simpósio, Dr. Álvaro Tavares.
Na sessão de abertura, ouviram-se intervenções dos Ministros da Cultura de Cabo Verde, Dr. Manuel Veiga, de Angola, Dra. Rosa Cruz e Silva, da Guiné-Bissau, Dr. Aristides Ocante da Silva. De seguida, tomou a palavra o Primeiro-Ministro de Cabo Verde, Dr. José Maria Neves, que também homenageou algumas figuras da Vila do Tarrafal, pelo conforto moral e solidariedade prestados aos presos do Campo de Concentração durante os longos anos de reclusão.
O Simpósio constou de 4 Painéis Temáticos.
O Primeiro Painel, intitulado “A GERAÇÃO DA UTOPIA E O DEVER DE MEMÓRIA” foi iniciado com a intervenção do poeta Mário Fonseca que procedeu ao enquadramento político e ideológico do Movimento de Libertação Nacional nas Colónias Africanas de Portugal, destacando o papel dos seus Pais-Fundadores e primeiros dirigentes.
Aurélio Santos, lutador antifascista português, na altura dirigente da Rádio Portugal Livre, hoje dirigente da URAP (União de Antifascistas Portugueses), foi o orador que se seguiu. O drama dos primeiros presos políticos portugueses enviados para este Campo da Morte Lenta, assim como a adesão do regime de Salazar aos princípios e práticas do Nazismo e do Fascismo foi a substância da sua intervenção. Recordou, porém, também, o modo como os restos mortais daqueles que pereceram no Campo foram recebidos em Portugal, depois da Vitória da Liberdade, com a eclosão do 25 de Abril de 1974.
Outro lutador antifascista português, Raimundo Narciso, da Acção Revolucionária Armada (ARA), hoje presidente da Associação-Movimento Cívico “Não Apaguem a Memória”, concentrou-se sobre questões como o heroísmo dos resistentes portugueses e o modo abnegado como enfrentaram o horror do fascismo. Particularizou, porém, as figuras de Edmundo Pedro (hoje com 90 anos de idade) e seu pai, Gabriel Pedro, ambos deportados para o Tarrafal. Fez ainda referência à transformação do antigo Campo de Concentração do Tarrafal em Campo de Trabalho de Chão Bom, por determinação do então Ministro do Ultramar, Adriano Moreira. Lembrou os laços de solidariedade entre os combatentes antifascistas e os lutadores pelas independências das antigas colónias portuguesas.
João Pedro Lourenço, Director do Museu da Escravatura de Angola, traçou um roteiro do Movimento de Libertação angolano, referindo, em especial, o papel daqueles que definiram o seu perfil e traçaram os seus caminhos. Aludiu a um certo “discurso revisionista” sobre o significado do Tarrafal daqueles que hoje procuram apresentar uma imagem “adocicada” do Campo de Concentração, adulterando cinicamente o seu significado.
Seguiu-se a intervenção do historiador Julião de Sousa, da Guiné-Bissau, com uma retrospectiva do processo de criação do PAIGC, a partir de núcleos clandestinos em Bissau. Recordou o período e a forma de encaminhamento dos presos guineenses para o Campo de Concentração do Tarrafal. Fez uma pequena resenha da vida dos presos da Guiné-Bissau, mostrando a contradição entre a imagem que o regime procurava apresentar ao mundo e o que realmente se passava. Terminou recordando a decisão do então Governador da Guiné de retirar do Campo os prisioneiros da Guiné-Bissau, voltando alguns a ser encarcerados.
Teve também lugar a intervenção da historiadora Nélida Brito, concentrando-se no período do Campo de Concentração desde a sua fundação, em 1936, até ao seu primeiro encerramento, em 1954. Deu muito realce às cerimónias fúnebres dos prisioneiros mortos.
O historiador português Fernando Rosas fez uma profunda reflexão sobre alguns conceitos e ideias que estruturam os factos históricos da libertação nacional e social, dando-lhe sentido e vida. Não deixou, porém, de recusar pretensões revisionistas que se tentam fazer da história, banalizando e até mesmo desresponsabilizando a ditadura fascista, ao ponto de, inclusive, se consagrar o nome de Salazar numa praça da terra onde nasceu, precisamente na data da comemoração do 25 de Abril deste ano. A resistência esteve sempre presente e activa até 1974. Abordando o tema da hegemonia da memória, em jeito de remate, concluiu: “Ninguém é dono da memória. Ninguém tem o direito de se colocar como o seu intérprete exclusivo”.
Ouviu-se seguidamente o testemunho de um antigo preso do Campo de Concentração do Tarrafal, Carlos Tavares, cabo-verdiano.
No período da Tarde, decorreu o Segundo Painel, intitulado “OS IDEIAIS E PRINCÍPIOS”, moderado pelo Presidente da Fundação Amílcar Cabral, Dr. Corsino Fortes.
O primeiro orador foi Luzolo Kiala, de Angola, que explanou sobre o tema “Da clandestinidade ao Tarrafal”, traçando o percurso do chamado “Processo dos 50”.
Ouviu-se também a comunicação da Professora Aurora Ferreira, numa análise daquilo que denominou “A Recolha de Testemunhos e de Histórias de Vida”.
O último orador deste Painel foi o ex-tarrafalista Justino Pinto de Andrade, com uma exposição e análise ao percurso dos angolanos, destacando as diversas faixas etárias a que pertenciam, os sucessivos grupos de chegada, filiações político-partidárias no momento da entrada, libertações, geografia sócio-cultural das prisões, também uma análise por profissões. Terminou recordando o momento da libertação dos últimos presos angolanos, saídos simultaneamente com os últimos presos políticos cabo-verdianos.
Neste Painel, ouviram-se os testemunhos dos ex-presos Luís Fonseca e Jaime Schofied, de Cabo Verde, Karamó Sanhá e Mário Soares, da Guiné-Bissau.
O Terceiro Painel, no período da Manhã do dia 30 de Abril, denominado “CIDADANIA E DIREITOS HUMANOS”, foi moderado pelo Ministro da Cultura da Guiné-Bissau.
O Embaixador Onésimo Silveira começou por lembrar o seu relacionamento pessoal com alguns dos presos angolanos do Tarrafal e suas famílias. Falou, depois, da problemática dos direitos humanos, integrando-a na luta dos povos pela sua emancipação. Antes, porém, fez uma incursão teórica nos desenvolvimentos do Estado de Direito.
O jurista angolano João Pinto traçou a dimensão poética de Agostinho Neto e o seu impulso à Luta de Libertação Nacional.
O sociólogo Carlos Cardoso trouxe ao Simpósio uma mensagem de solidariedade e apoio do CODESRIA, que representou.
O sociólogo Victor Kajibanga analisou o facto de os Movimentos de Libertação terem descurado a questão da democracia e os direitos humanos. Esboçou um perfil dos Estados e das classes dirigentes africanas no período pós-independência.
O também sociólogo Paulo de Carvalho interveio para falar sobre “Cidadania e Direitos Humanos na Angola Contemporânea”, descrevendo a evolução política desde a independência e o modo como se foram produzindo alterações no que respeita aos direitos humanos.
Domingos Abrantes, resistente português, lançou um olhar sobre o passado e a luta dos resistentes comunistas portugueses, destacando o papel daqueles que foram deportados para o Tarrafal.
Dany Landim, professora de história, cabo-verdiana, fez uma resenha histórica do Campo e insistiu na necessidade de serem reforçados os conteúdos históricos sobre a resistência e a luta de libertação.
A historiadora portuguesa, Irene Pimentel, estabeleceu a relação entre a memória e a história. Recordou a necessidade de se distinguir um “Campo de Concentração” de um “Campo de Extermínio” e procedeu à caracterização do Campo de Concentração do Tarrafal.
Ouviram-se testemunhos de Edmundo Pedro, de Portugal, Fernando Tavares, Eulália Freire (Nha Beba), e Pedro Martins, de Cabo Verde, bem como Manuel Pedro Pacavira, de Angola
“QUE FUTURO PARA O CAMPO DO TARRAFAL?” foi o quadro em que se inseriu o Quarto Painel, no período da Tarde, com 4 intervenções: José Vicente Lopes, de Cabo Verde, apresentou a sua “Recolha de Testemunhos”; Antoninho Baptista, de Timor-Leste, falou sobre o “Arquivo & Museu da Resistência Timorense”; Alfredo Caldeira, de Portugal, desenvolveu a questão do “Dever de Memória” e do direito à memória, sublinhando que memória sem liberdade e democracia é tão só propaganda; Carlos Carvalho, Presidente do Instituto de Investigação e Património Cultural de Cabo Verde, apresentou o “Projecto do Ministério da Cultura de Cabo Verde sobre o Campo de Concentração do Tarrafal”. Este Painel foi moderado pelo Ministro da Cultura de Cabo Verde.
O último dia do Simpósio constou da sessão de encerramento, que foi presidida por Sua Excelência o Presidente da República de Cabo Verde, Pedro Pires, e teve também a honrosa presença de Sua Excelência o Dr. Mário Soares, ex-Presidente da República de Portugal, que dedicaram aos presentes palavras de agradecimento e regozijo pela forma como decorreram os trabalhos, estimulando à consecução dos objectivos pretendidos.
A Análise Geral do Simpósio permitiu extrair as seguintes Recomendações:
- Destapar e colocar em espaço de memória os outros “Tarrafais” espalhados pelo mundo, e em particular nos países integrantes da CPLP, tais como Ilha das Galinhas, na Guiné-Bissau, Campos de S. Nicolau, Missonbo e Colónia Penal do Bié, em Angola, Machava, em Moçambique, Vikeke e Ataúro, em Timor-Leste, e Tarrafal de S. Nicolau, em Cabo Verde;
- Manifestar o seu repúdio pela crescente utilização de campos de concentração e de tortura em conflitos recentes;
- Legislação apropriada e multinacional (Portugal, Angola, Cabo Verde e Guiné-Bissau) para garantir o carácter perene da importância do Campo de Concentração do Tarrafal, para que o seu destino não dependa das vicissitudes e vontades circunstanciais dos respectivos governos;
- Assegurar a integridade das instalações de Campo, tal como se encontravam no momento da sua libertação;
- Que o Campo se torne um espaço de memória de todos aqueles que aqui sofreram, fazendo dele um espaço memorial da conquista da Liberdade;
- Que seja criado, dentro do Campo de Concentração do Tarrafal, um Museu da Resistência e da Liberdade;
- Que se crie dentro do Campo um Centro Internacional de pesquisa da Luta pelas Independências;
- Criar no espaço envolvente do Campo, áreas dedicadas às Crianças e à Juventude para que elas possam apreender melhor a História;
- Criar nos terrenos adjacentes ao Campo valências capazes de assegurar a sustentabilidade do Campo;
- Inserir nos compêndios escolares mais matérias sobre a História e as Lutas de Libertação Nacional dos nossos países;
- O Simpósio apela aos governos de Cabo Verde, Angola, Guiné-Bissau e Portugal para que assegurem os encargos de edificação e manutenção do Campo de Concentração do Tarrafal como Memorial da Luta comum dos nossos povos.
Tarrafal, a 01 de Maio de 2009
Os Participantes