A organização operária no crepúsculo do sindicalismo livre*

[ texto de João Madeira** ]

* in Manuel Loff e Teresa Siza (Coordenação Científica), Resistência. Da alternativa republicana à luta contra a ditadura (1891-1974), Lisboa, CNCCR/INCM, 2010, pp 63-71
** Investigador do Instituto de História Contemporânea da FCSH da Universidade Nova de Lisboa.

No âmbito do ciclo de conferências LUTA ARMADA E RESISTÊNCIA REPUBLICANA – O REVIRALHO
Organização: NAM – IHC/UNL, na livraria Ler Devagar, em Lisboa.
5ª conferência em 25 de Novembro de 2010

A 29 de Maio de 1926, as forças militares golpistas do general Gomes da Costa progrediam para sul, utilizando os comboios das linhas de Minho e Douro e da CP, sem que os aguerridos sindicatos ferroviários esboçassem um gesto de resistência. Chegavam assim impunemente às portas de Lisboa, adquirindo novos e mais substanciais apoios políticos.

Nesse dia, o Partido Comunista Português iniciava nesta cidade o seu II Congresso. A resolução aprovada a propósito do pronunciamento militar fala de um golpe fascista, alertando para os tempos difíceis que aí viriam para a classe operária e os trabalhadores.

Sai, aliás, logo do Congresso uma delegação encarregada de difundir essa resolução pelos jornais da capital e de contactar a CGT, Confederação Geral do Trabalho, e a Esquerda Democrática. Destas organizações, a reacção não podia ser mais decepcionante – apenas desinteresse e passividade.

O jornal A Batalha, órgão da CGT, divulga nesse mesmo dia a sua posição face ao acontecimento, contraditando ou, pelo menos, antecipando-se ao Comité Confederal da central sindical: “Nos acontecimentos de agora não intervém o movimento sindical porquanto não se verificou ainda qualquer atitude de hostilidade para com a organização operária. De resto não é hábito enveredar por caminhos que não sabemos onde vão dar.”

Esta displicência e esta ambiguidade que, num primeiro momento, representaram fosse apoio, activo ou passivo, ou fossem expectativa e “neutralidade” face ao golpe, configuraram uma fronda nebulosa que permitiu o triunfo de Gomes da Costa, e da “ditadura nacional” que anunciava, contra uma República associada ao poder, tão desgastado como detestado, do Partido Democrático.

Por parte da CGT, será preciso esperar mais alguns dias, pelo início de Junho, para que o seu diário apele à “greve geral revolucionária” e à resistência armada contra a Ditadura e pela Liberdade, enquanto o primeiro esboço de resposta operária surge num comício a 9 desse mês, já o golpe havia triunfado e já se haviam conchavado os equilíbrios expressos no Governo recém-formado.

Neste comício, no Parque Eduardo VII, convocado pelo Comité de Defesa Proletária constituído de véspera, intervêm Manuel Joaquim de Sousa pela CGT, Emídio Santana pelas Juventudes Sindicalistas e Sobral de Campos pelo PCP. Esta espécie de frente única, de algum modo aí expressa, beneficia ainda do apoio da corrente socialista reformista, presente em muitos sindicatos.

Mas, quando A Batalha pretende divulgar o acontecimento, é advertida pelos Serviços de Censura à Imprensa, já instituídos. As advertências tornar-se-ão ameaças institucionalizadas e a censura adquire feição policial.

A tentativa de a CGT lançar a greve geral não consegue desenvolver-se face ao cerco militar montado pelas tropas governamentais nas zonas industriais e ao estabelecimento de um ameaçador recolher obrigatório.

Acentua-se a repressão sobre os meios operários, condiciona-se a actividade dos sindicatos à autorização policial e impede-se a sua organização sectorial e territorial, caindo quaisquer ilusões sobre a natureza ditatorial do novo Governo e os seus objectivos perante o movimento operário e sindical.

Pelo início de 1927, definhando as respostas num circunscrito quadro sindical, ganha vulto o apoio popular à necessidade de enfrentamento armado à Ditadura que germinava nos meios políticos e militares republicanos.

A participação organizada de comunistas e a presença de sindicalistas revolucionários no golpe militar de Fevereiro de 1927, alimentando as extensas redes e contingentes civis, reflecte bem esse movimento, cuja direcção política e operacional estava, porém, nas mãos dos sectores republicanos que o congeminaram.

A reacção do Governo foi brutal e impiedosa. Encerram-se jornais, sedes de sindicatos e partidos; são presos e deportados centenas de activistas e dirigentes. A derrota de Fevereiro de 1927 teve efeitos nefastos nos partidos e nas organizações operárias e sindicais, suscitando retracção e dispersão.

No Partido Comunista, o Comité Central recomposto voltaria a apoiar uma nova tentativa de golpe em Junho desse ano, novamente derrotado e suscitando outra vaga repressiva com um longo cortejo de perseguições, prisões e deportações. Em 1928, o PCP estava reduzido a um pequeno grupo de 50 militantes em Lisboa e 20 no Porto e a sua tendência sindical – os partidários da Internacional Sindical Vermelha – praticamente inactiva.

No campo do sindicalismo revolucionário, a CGT ainda consegue, depois de Fevereiro de 1927, manter em funcionamento o Conselho Confederal, mas em Novembro a sua sede é assaltada e completamente vandalizada pelas forças militares, tendo então esse órgão passado a designar-se Comissão Inter-Federal de Defesa dos Trabalhadores, sendo constituída a Federação Portuguesa de Solidariedade aos Presos e Perseguidos por Questões Sociais.

De qualquer modo, a actividade sindical contrai-se e as Federações que dão corpo à Comissão Inter-Federal são organizações definhadas e esvaziadas. Subsiste, é certo, uma rede sindical de base, sectorialmente plasmada, com alguns sindicatos importantes e uma imprensa própria que, no campo do sindicalismo revolucionário, publica a Vanguarda Operária e um pequeno conjunto de títulos, como O Eco Metalúrgico.

Nos núcleos operários radicalizados que, dispersos pelo País, apoiam essa rede reúnem-se armas e explosivos num ambiente que tende igualmente a conectar-se com os sectores republicanos reviralhistas em conspiração permanente.

Sem nunca interromper completamente a ligação à Internacional Comunista e à sua organização sindical mundial – a Internacional Sindical Vermelha –, o PCP inicia em 1929 um processo de refundação, onde se destacam Bento Gonçalves e a célula do Arsenal da Marinha, a que pertence, que controlava um importante sindicato, relançando a sua actividade, designadamente no movimento operário, com a publicação de O Proletário e a criação da CIS, Comissão Inter-Sindical, no ano seguinte.

Doravante, sob o impacto da repressão governamental, reavivavam-se querelas antigas entre os partidários da ISV e a CGT, ateadas em torno de novos e velhos temas naquele tempo de dificuldades acrescidas, com a disputa pela hegemonia do movimento operário em pano de fundo.

Este esforço coincide com a derrota do golpe reviralhista de 1931-32, com o qual se encerra um ciclo de resistência à Ditadura, que, tendo tido fundamentalmente expressão militar, contou com a participação activa de sectores operários e populares, de influência comunista e sindicalista.

Do ponto de vista da luta sindical, sem que um fio de continuidade por alguma vez se quebrasse completamente, reemergem na viragem dos anos 20 e nos seguintes factores de descontentamento e mobilização em torno dos salários e das condições de trabalho. Foi, aliás, neste contexto que a tendência comunista constituiu a CIS.

No início dos anos 30, a pretexto da regulamentação do horário de trabalho, o Governo ensaia a instituição de Comissões “Paritárias” destinadas a conciliar interesses, que o Governo rapidamente quer alargar à resolução da generalidade dos conflitos entre o Capital e o Trabalho.

Estas Comissões, constituídas por representantes dos patrões e dos sindicatos, mas com estes em minoria, suscitam a oposição, principalmente da CIS, que se ergue em defesa da independência dos sindicatos, granjeando apoios e reforçando a sua influência.

Mas foi sobretudo em torno do problema do desemprego, que atingia grandes proporções em finais de 1931, que a situação se polarizou, ainda que as respostas a dar às medidas governamentais por parte da CIS e da CGT fossem bem distintas.

A CGT sustentava a consigna “Trabalho para Todos”, reivindicando a diminuição da jornada de trabalho para seis horas e um salário mínimo que tivesse em conta o custo de vida, sem distinção de sexo ou profissão, enquanto a CIS adoptava, por sua vez, o lema “Pão e Trabalho”, admitindo uma jornada máxima de oito horas e um subsídio de 75% do salário aos desempregados.

Estas duas concepções defrontar-se-iam, logo a propósito da criação da Caixa de Auxílio aos Desempregados para atribuição de um subsídio, que a CIS entende como uma concessão governamental à sua reivindicação, mas que a CGT rejeita, considerando-o como uma esmola, imoral e indigna.

Os socialistas reformistas, por sua vez, apostavam fundamentalmente nas obras de fomento como forma de combater o desemprego, defendendo também um salário mínimo e uma jornada de trabalho de oito horas.

A todos, unia-os apenas a recusa ao desconto de 2% sobre os salários dos trabalhadores como forma de financiar essa Caixa de Auxílio, enquanto aos patrões caberia apenas 1% de desconto. Multiplicam-se, por isso, pelo País e por iniciativa das duas principais centrais sindicais, condição que a CIS reclamara já em 1931, os contactos com associações de classe, as concentrações, manifestações e greves, conseguindo impedir a entrada em vigor do Decreto que previa os descontos em Junho de 1932, como pretendia o Governo.

Para 29 de Fevereiro, Dia Internacional dos Desempregados, o PCP e a CIS, na sequência de uma intensa campanha de agitação que vinham desenvolvendo desde o ano anterior, ensaiam um dia de greve geral acompanhada de manifestações com brigadas de choque e barricadas, ainda que sem grande sucesso e sem conseguir lograr o apoio da CGT.

Juntas, as duas organizações, embora agora com o apoio frouxo da CIS, tentarão organizar, semanas mais tarde, no final de Maio, uma jornada de protesto contra a aplicação dos 2% de desconto, em que a CGT consegue, através dos sindicatos que influencia, vários dias de greve no Porto e na Covilhã e manifestações e concentrações junto das administrações dos concelhos em Almada, Valença, Silves ou Torres Vedras.

Estas acções em Fevereiro e Maio, de extensão bastante limitada, suscitam uma repressão governamental desabrida com inúmeras prisões, que têm um efeito devastador sobre a estrutura orgânica do PCP e com o assalto policial à sede do Sindicato do Mobiliário de Lisboa, onde funcionavam a CGT e outros organismos sindicais, tendo sido presas duas centenas de dirigentes e activistas, entre os quais a maioria do Conselho Confederal.

Num quadro de esvaziamento político das reivindicações operárias, agora centradas em aspectos mais especificamente laborais, aparentemente liberto da atracção face aos manejos da oposição republicana, que apesar de militarmente derrotada continuava a conspirar, a CIS, pelo pragmatismo da sua acção, beneficiaria desta situação num processo de deslocação da correlação de forças que se lhe vai tornar progressivamente mais favorável face ao declínio da hegemonia dos sindicalistas revolucionários da CGT.

Grandes e decisivos embates travar-se-ão, no entanto, ao longo de todo o ano de 1933 contra a corporativização do movimento sindical, culminado com a tentativa de greve geral revolucionária de 18 de Janeiro de 1934.

A legislação de 1933, pelo seu impacto, obrigando à dissolução das associações de classe existentes ou à integração nos novos Sindicatos corporativos, não deixa indiferente nenhuma corrente sindical, acabando por aproximá-las na busca de entendimentos que permitissem enfrentar o Governo.

O caminho não é fácil e está atascado em concepções sectárias e autocentradas por parte de cada uma das correntes, sejam comunistas, anarquistas, socialistas reformistas ou autónomos. Se todos reconheciam a necessidade de uma Frente Única para enfrentar o Governo, não faltava quem se considerasse núcleo central constitutivo dessa Frente e visse todos os outros num plano de subalternidade.

A CIS toma a dianteira e apresenta uma proposta de plataforma reivindicativa às restantes estruturas sindicais, que assentava, designadamente, no horário semanal de 40 horas, na aplicação do princípio “a trabalho igual, salário igual”, no pagamento de 75% do salário aos desempregados ou no fim dos 2% de desconto.

O objectivo da CIS era constituir um Comité Nacional de Frente Única com a participação de todas as correntes com base num acordo estabelecido entre si, segundo o qual recusavam a transformação dos sindicatos “em capacho do Patronato e dos burocratas do Secretariado das Corporações”, mas exigindo também o restabelecimento das liberdades, o fim dos tribunais de excepção e as reivindicações em torno do salário mínimo, do horário de trabalho e do subsídio de desemprego exclusivamente financiado pelo Estado e pelos patrões.

Mas, para a CGT, se admitia convergir nesse sentido, não queria um plano de igualdade com a CIS, nem de resto com os socialistas reformistas da FAO, Federação das Associações Operárias, por isso procura que os contactos se façam sindicato a sindicato.

O Comité Confederal da CGT, onde se destaca Mário Castelhano, organiza-se nesse sentido, percorrendo o País para enquadrar na CGT todas as organizações sindicais federadas, ou não; montando um aparelho de propaganda próprio e iniciando o fabrico de bombas e explosivos para a acção directa.

São também desta altura os primeiros contactos com o grupo militar republicano do tenente-coronel Ribeiro de Carvalho, de modo a procurar articular a greve geral com os manejos reviralhistas em gestação, como que retomando atavicamente uma via cheia de derrotas, a avaliar pelas experiências anteriores, em 1927 e 1931.

Porém, diziam, não se tratava agora de repetir o papel subordinado ou adoptar laços orgânicos formais com os sectores republicanos reviralhistas, como então se verificara, mas de procurar explorar uma simultaneidade de movimentos.

A CIS procura contornar esta tentativa de descarte por parte da CGT, insistindo nos apelos e defendendo uma campanha de propaganda contra a legislação sindical corporativa a culminar numa greve geral, sem lhe conferir, no entanto, um carácter violento.

Esse movimento seria orientado por uma Frente Única que, deixando de fora a FAO “social-reformista”, incluía também a CGT e a Federação dos Transportes, tida como estrutura sindical autónoma, mas na realidade controlada pelos comunistas, o que asseguraria ao PCP maioria na direcção da Frente.

Na realidade, a constituição da Federação dos Transportes tinha sido dinamizada e dirigida por José de Sousa, que era, ao mesmo tempo, do Secretariado do Comité Central do PCP e o seu responsável sindical em todo este processo, desempenhando um papel particularmente activo depois da reorganização de 1929.

Apesar das advertências formais da Direcção do PCP, também por esta parte havia contactos com os chefes republicanos e, mesmo que isso fosse feito a nível individual e que aparentemente não houvesse intenções de articulação ou de simultaneidade entre os dois movimentos, dificilmente os dirigentes do PCP seriam indiferentes ao evoluir da situação nos meios republicanos.

A aproximação entre a CIS e a CGT verifica-se já Verão dentro, em Agosto, admitindo a inclusão da FAO na projectada Frente Única que, entretanto, adoptara face à situação uma atitude substancialmente mais combativa.

Essa unidade construía-se em torno de um Comité de Unidade entre as diferentes organizações que, sem iludirem as divergências que as continuavam a separar, aceitam finalmente um caminho comum, expresso através de manifestos conjuntos, primeiro, e de uma entusiástica preparação da greve geral, depois.

É, efectivamente, de uma greve revolucionária que se trata, em que as paralisações de trabalho previstas eram acompanhadas de planos detalhados de acções violentas, sabotagens e ataques a instalações, para o que se tornava necessário fabricar bombas e explosivos e montar todo um extenso aparelho logístico que assegurasse a sua distribuição e utilização.

No interior do próprio PCP reemergem tendências para a acção directa que vinham sendo pacientemente combatidas e contrariadas pela Direcção de Bento Gonçalves. Este entusiasmo geral, que anima comunistas e sindicalistas revolucionários, ateia-se em passo relativamente acertado com as movimentações dos grupos e redes reviralhistas, onde também prepondera o major-aviador Sarmento de Beires.

Os decretos para a criação dos sindicatos corporativos são de Setembro de 1933, e às associações de classe é dado o prazo de três meses para alterarem os Estatutos, adaptando-os ao modelo corporativo de conciliação de classes ou, então, extinguirem-se para não serem compulsivamente encerrados, o que viria a acontecer na esmagadora maioria dos casos.

O Governo acompanha a movimentação política e militar dos republicanos e desencadeia, em Novembro, uma extensa operação que prende e deporta largos sectores que conspiravam activamente.

Por entre críticas a uma intencional precipitação dos republicanos, o PCP e a CGT convergem na intensificação da preparação da greve geral com a aceleração do processo de constituição de comités quer comunistas quer sindicalistas revolucionários que, funcionando separadamente, eram coordenados através de comités de enlace verticalmente constituídos.

Mas voltarão a ceder a contactos renovados com o que tinha subsistido das redes reviralhistas, que agora sustentam a simultaneidade entre a greve geral e o golpe militar.

Nesta fase, em Lisboa e noutras zonas do País, a repressão policial detecta e prende sectores de dirigentes sindicais que preparavam a greve, assim como militares que preparariam o golpe simultâneo, como o tenente Carlos Vilhena. É neste contexto que Mário Castelhano, que coordenava o movimento pela parte da CGT, é igualmente preso, depois da data inicial para a eclosão da greve ter sido adiada de 9 para 18 de Janeiro de 1934.

Todavia, a polícia está a par do movimento e ocupa cidades e vilas, mas não consegue evitar que na Marinha Grande fosse o Comité Revolucionário a ocupar os locais centrais da vila e a reabrir o sindicato. Em Silves, Almada, Sines ou no Barreiro, realizaram-se greves e manifestações de duração e amplitude variáveis, mas expressivas. Em Coimbra, a central eléctrica foi sabotada e os transportes paralisados. Noutras localidades, registaram-se acções de sabotagem de vias-férreas, equipamentos e instalações ferroviárias, assim como postes telefónicos e telegráficos.

É também verdade que o apoio dos ferroviários falhara e isso representara um golpe importante no desencadear de todo o movimento, já que a greve nesse sector seria o aviso para que as acções no Algarve, por exemplo, avançassem.

A repressão que se vinha desenhando desde as vésperas da greve alargou-se brutalmente, num total de quase 700 militantes e dirigentes sindicais presos, a maioria remetidos a Tribunal Militar Especial, condenados e muitos deles deportados com penas entre dez e vinte anos de prisão e pesadas multas. Alguns seriam, inclusivamente, levados para o campo de concentração do Tarrafal, inaugurado dois anos depois.

Nesta enorme vaga repressiva, a CIS, por exemplo, teria perdido 70% dos seus membros. O movimento sindical fica decapitado e desarticulado, e os efeitos desta pesada derrota serão duradouros, provocando vigorosas discussões que se arrastarão anos fora, designadamente dentro das próprias prisões, como no Tarrafal, cristalizando divergências que separaram irremediavelmente comunistas de sindicalistas revolucionários.

A reorganização da CIS inicia-se praticamente logo após o 18 de Janeiro, com base na ideia de que era preciso agarrar os militantes que conseguiram escapar à sanha repressiva, reforçando o seu carácter clandestino, bem expresso, aliás, no folheto Como se organizam e funcionam os sindicatos ilegais.

Poucos meses depois, O Proletário, órgão da CIS, edita-se com regularidade, bem como jornais e boletins de fábrica ou de sector, no âmbito de uma rede de pequenos sindicatos clandestinos, ensaiando-se, inclusivamente, estruturas intermédias, como a União Regional Sindical do Centro que abrangia a região de Lisboa e Setúbal.

Mais uma vez, José de Sousa teria uma acção decisiva neste difícil trabalho de contrariar os efeitos da repressão e relançar o trabalho corrente sindical comunista.

A CGT, por sua vez, perdeu os meios com que alicerçou a sua influência – sindicatos dispondo de instalações para a realização da sua actividade e com imprensa própria. Tornou-se numa organização de militantes, sem base de massas, circunscrita à dimensão de pequenos grupos locais com uma mera actividade de propaganda, sem capacidade real para se alargarem ou renovarem os seus quadros.

O PCP mantinha a consigna de Frente Única, mas percebia que qualquer entendimento com a CGT era praticamente impossível, quanto mais não fosse porque entendia que a CIS era a única central sindical que resistira e se mantinha em actividade, pelo que o apelo à unidade entre as duas organizações era substituído pela intenção de unidade em baixo, ao nível dos locais de trabalho, entre trabalhadores comunistas e sindicalistas revolucionários.

Na realidade, a CGT, com a derrota do 18 de Janeiro de 1934, acentua irremediavelmente o seu declínio e perca de hegemonia no movimento operário. São os comunistas, apesar das suas debilidades, das suas limitações e das próprias circunstâncias em que se desenvolve a sua intervenção que a vão adquirindo, embora os anos que se seguem não sejam propriamente de afirmação do PCP ou da sua corrente sindical, mas de resistência, de esforço pela sobrevivência em tempos particularmente agrestes.

A capacidade de enquadramento dos trabalhadores pelos sindicatos clandestinos era bastante limitada, sem comparação com os Sindicatos Nacionais instituídos pelo Governo, de sindicalização obrigatória.

E a sua própria intervenção era rudimentar, operada em condições de clandestinidade, profundamente sectária e permanentemente acossada pela polícia.

As orientações do VII Congresso da Internacional Comunista, em 1935, determinando que o combate ao fascismo se devia realizar dentro das suas próprias organizações de massas, levava a que, considerando que os sindicatos ilegais não desenvolviam nem tinham condições para desenvolver trabalho de massas, se inflectisse o trabalho sindical para o interior dos próprios Sindicatos Nacionais, numa estratégia “entrista”.

Esta nova directiva suscitaria resistências e geraria fortes tensões internas no PCP. Quadros que no rescaldo das sucessivas levas repressivas haviam sido colocados no exterior e passado pela Escola Leninista de Moscovo, como Francisco Miguel, uma vez regressados ao País procuraram inverter essa situação e implementar uma linha sindical consentânea com as orientações gerais do movimento comunista internacional que determinava, num país como Portugal, dominado por uma ditadura de tipo fascista, a infiltração e a conquista por dentro dos Sindicatos Nacionais.

Mas nem por isso, nesses anos, o resultado foi profícuo. O sector sindical do PCP resistia a essa inflexão, resistia a dissolver os sindicatos clandestinos e a recentrar-se nos sindicatos do regime.

Na realidade, o PCP, para além da repressão implacável que sofria, que o tornavam um partido débil e muito vulnerável, atravessava, por outro lado, um momento marcado por contradições e incapacidades para a implementação das novas orientações do movimento comunista internacional.

As várias tentativas de constituição de uma Frente Popular em Portugal, nos moldes que o VII Congresso da Internacional Comunista determinara, revelavam-se frágeis, estiolando em divergências programáticas entre o PCP e as correntes e sectores que a aceitavam integrar e promover, designadamente republicanas, já que a CGT sempre se manteve de fora de todo este processo, ainda que se dispusesse e participasse em acções convergentes e de unidade na acção contra o regime.

O grande problema que bloqueava a constituição da Frente Popular, cujo pilar principal deveria assentar numa Frente Única Operária, era justamente a inexistência de partidos operários e organizações sindicais operárias, que lhe conferisse a base operária de massas, considerada motor indispensável.

Isto porque o Partido Socialista Português (SPIO), que alimentava a FAO, para além de ser um pequeno partido, esvaziado mesmo em terreno laboral por uma prática reformista num contexto pouco propício, havia em 1933 decidido em congresso a sua própria dissolução.

Por outro lado, as circunstâncias históricas do País desde o golpe militar de 1926 haviam levado ao declínio da CGT que em meados dos anos 30, já sem base de massas, estava reduzida a um pequeno e sectarizado grupo.

Os Sindicatos Autónomos, que haviam constituído uma modesta componente do movimento sindical, organizada principalmente por acção do Sindicato do Arsenal do Exército e dinamizada por alguns quadros sindicais experientes que haviam passado pelo PCP, como Silvino Ferreira, não dispunham igualmente de capacidade de intervenção e de amplitude de apoio, ainda que viesse a alimentar já num quadro de Frente Popular uma tendência sindical radical de feição republicanizante.

O enorme entusiasmo com que a vitória da Frente Popular em Espanha foi recebida nos meios operários encontrava, portanto, o movimento sindical num quadro de grandes dificuldades, pelo que a indispensável solidariedade com os trabalhadores espanhóis, já no contexto da Guerra Civil, tornar-se-ia pouco expressiva.

Não obstante, em Janeiro de 1937, as bombas contra os ministérios e outros pontos simbólicos do apoio do Governo português a Franco; assim como, depois, em Julho desse ano, o atentado contra Salazar ou, de modo mais difuso, as acções de sabotagem contra interesses dos nacionalistas espanhóis constituem formas expressas de solidariedade aos trabalhadores e ao campo republicano espanhol.

Ainda assim, estas acções foram promovidas em nome da Frente Popular e em enlace activo directo com a CGT. Silvino Ferreira, dos Sindicatos Autónomos e Fernando Tavares, pelo PCP, em nome da Frente Popular, e Emídio Santana, da CGT coordenariam, aliás, o atentado a Salazar.

Por outro lado, muitos sindicalistas, anarquistas e comunistas, exilados em Espanha ou para aí se dirigindo, numa acção voluntariosa e corajosa, combateram de armas na mão pela República, perdendo aí alguns deles a própria vida.

A derrota republicana na Guerra Civil de Espanha, a derrota do embate pelo sindicalismo livre em 1934, num contexto nacional de refluxo acentuado no movimento operário, o quadro internacional de emergência dos fascismos e de guerra mundial em eclosão determinariam o encerrar penoso de um ciclo.

O sindicalismo livre desapareceria por longos anos e seria necessário que o rumo da nova guerra mundial se inflectisse favoravelmente ao bloco Aliado para que se fosse abrindo um período de resistência, no qual se sedimenta e reforça a hegemonia do PCP.

Após a “reorganização” 1940-41, no primeiro congresso ilegal, dois anos mais tarde, é consagrada a linha sindical de entrismo nos Sindicatos Nacionais, colocando a actividade sindical, fortemente policiada e governamentalizada, em níveis recuados e mitigadamente economicistas.

Nas novas condições de disputa política e sindical, o PCP não encontrará nesse terreno organizações minimamente implantadas que se posicionem sequer como aliados. A Frente Única, tão longamente ambicionada, será protagonizada pelo próprio Partido Comunista e por sectores de vanguarda sem partido.

Esta Frente, que tomará expressão através das Comissões de Unidade que intentou porfiadamente constituir nas fábricas e empresas onde dispunha de organização partidária, acabaria em boa medida por sustentar o ciclo grevista da guerra.

Referências bibliográficas

FRANCISCO, José, Páginas do Historial Cegetista, Lisboa, Sementeira, 1983.

FREIRE, João, Anarquistas e Operários. Ideologia, ofício e práticas sociais: o anarquismo e o operariado em Portugal, 1900-1940, Porto, Edições Afrontamento, 1992.

LOPES, Maria Filomena Rocha, O Movimento Sindical Português na Transição do Sindicalismo Livre para a Formação dos Sindicatos Nacionais, Dissertação de Mestrado em História Contemporânea, Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, 2005.

PATRIARCA, Fátima, A Questão Social no Salazarismo 1930-1947, vol. I, Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1995.

PATRIARCA, Fátima, Sindicatos contra Salazar. A revolta de 18 de Janeiro de 1934, Lisboa, ICS, 2000.

SOUSA, Manuel Joaquim de, Últimos Tempos de Acção Sindical Livre e do Anarquismo Militante, Lisboa, Antígona, 1989.