A cadeia do Aljube, em Lisboa

A cadeia do Aljube, instalada num edifício que resistiu ao terramoto de 1755, era a prisão utilizada pela PVDE/PIDE para encarcerar os presos políticos, no período da instrução do processo, conduzido por essa mesma polícia. Era nesse período de “instrução”, que podia durar até seis meses, que os presos eram interrogados, através de torturas, e submetido a rigoroso isolamento, potenciado pela escuridão, as estreitas celas tumulares e a péssima alimentação. No Aljube não havia qualquer local para recreio e as salas e celas eram impróprias para viver.

A «sala 2A» dessa prisão tinha uma só janela, gradeada e coberta por uma rede fina, com catres presos à parede durante dia, os quais, à noite tinham uma enxerga e duas mantas. Essa sala era, porém, bem melhor do que os catorze «célebres “curros” ou “gavetas” , pequenas celas, «com cerca de um metro e vinte de largura, com catres basculantes, que, ao baixarem ocupavam todo o espaço, obrigando o preso a ficar sentado. Esses “curros” eram fechados por duas portas, uma gradeada e outra de madeira, normalmente fechada, apenas com um pequeno postigo, estando quase todo o dia mergulhadas numa semi-obscuridade.

Eram essas as instalações que a PIDE usava para manter os presos incomunicáveis, no período mais intenso dos interrogatórios, onde «a falta de luz estava associada a todo um quadro de tortura e de violência física e psicológica a que o preso estava submetido», conforme contou um ex-detido. Durante o primeiro período, o preso não tinha acesso a caneta, nem a lápis, nem a papel, nem a jornais, nem a livros, nem a relógio, nem sequer espaço para se mover. Havia ainda a cela disciplinar, n.º 14, onde o preso estava permanentemente às escuras, sem enxerga e, às vezes, a pão e a água.

No seu relato, o padre angolano Joaquim da Rocha Pinto de Andrade contou que ali esteve encarcerado «numa enxovia estreitíssima (…) onde a luz e o ar entravam por um postigo de 15 x 20 cm., filtrados através de duas férreas portas, postigo, aliás permanentemente fechado». A «tarimba que lhe servia de cama era apenas provida de um enxergão sebento, duro como pedra, sendo proibido usar lençóis. «Sentado na tarimba, os joelhos roçavam a parede», isto tudo na penumbra. Devido a queixas várias, entre as quais da Amnistia Internacional, o Aljube acabou por ser fechado, em Agosto de 1965.

A cadeia do Aljube é pois um dos principais paradigmas e «ícone» da repressão exercida durante a ditadura salazarista/caetanista, pela PVDE/PIDE/DGS.

Por isso, o Movimento “Não apaguem a Memória!” considera ser este um dos melhores locais para ser instalado um espaço museológico, sobre o que foi a violência do Estado Novo e da sua polícia política, mas também da luta contra a ditadura e pela liberdade.

Carta Aberta à população

Durante quase cinquenta anos o povo português sofreu a repressão impiedosa do regime do Estado Novo, conduzida pela PIDE: prisões arbitrárias, longos períodos de isolamento que podiam chegar a seis meses, torturas durante os interrogatórios, julgamentos fantoches, encarceramentos nas condições mais degradantes e humilhantes da dignidade humana.

A sede da PIDE na Rua António Maria Cardoso, a cadeia do Aljube, os Fortes de Caxias, de Peniche, e Angra do Heroísmo, os campos de concentração de S. Nicolau e do Tarrafal, o presídio militar da Trafaria, a Companhia Disciplinar de Penamacor, entre outros, constituíam um verdadeiro Roteiro do Terror por onde passaram milhares de resistentes que deram o melhor das suas vidas, nalguns casos mesmo a própria vida, para que a democracia fosse possível em Portugal.

A memória desta luta não se pode apagar se queremos preservar a nossa identidade de povo livre e digno.

O Movimento Cívico Não Apaguem a Memória! reclama aos poderes públicos, em especial à Assembleia da República, lugar de representação do Estado democrático, a celebração cívica dos centros de repressão do regime fascista, como locais de memória da resistência. Considera que é um acto de justiça necessário e urgente para reparar a dignidade ferida das mulheres e dos homens que lutaram e sofreram a humilhação dos torcionários.

Para dar expressão social a esta exigência cívica, o Movimento Cívico Não Apaguem a Memória! apela à mobilização cidadã.

Com os presos políticos, torturados na sede da PIDE e humilhados nos cárceres do Estado Novo;

Com os resistentes antifascistas que perderam a vida às mãos dos torcionários do regime ditatorial;

Pela dignidade que merece o povo português;

Não consentiremos no branqueamento do fascismo nem esquecemos a luta dos resistentes!

O Movimento Não Apaguem a Memória! convoca as cidadãs e os cidadãos do país para que se associem a esta luta pela preservação da memória da resistência. Convida-os a que se unam aos antigos presos políticos do Aljube, que no dia 1º de Julho, às 10.30 horas, se reunirão no Largo da Sé para daí seguirem em direcção ao Aljube. Para que a antiga prisão se transforme num espaço museológico, onde se celebre a resistência e a liberdade conquistada.

Em nome do futuro, não apaguem a memória!

Não Apaguem a Memória do Aljube

Ao longo de mais de 30 anos a cadeia do Aljube, em Lisboa, foi um dos principais símbolos da repressão fascista.

Os presos eram aí encarcerados em celas com cerca de 2,20×1,50 m, enxovias onde a cama era uma tarimba em madeira com uma enxerga sem lençóis. Não havia luz natural, mas uma pequena lâmpada que só acendia nas horas de refeição e um pouco antes do silêncio nocturno. Pela sua dimensão, onde só cabia uma pessoa, estas celas ficaram conhecidas como “curros”. O isolamento era total e as visitas de familiares, raras.

A estas condições de detenção juntavam-se outras não menos vergonhosas e vexatórias da dignidade dos presos: não tinham direito à posse de qualquer objecto pessoal, não podiam usar cinto nem atacadores, a leitura era proibida. Só tinham direito a um banho por semana, quando havia, no mesmo local onde evacuavam: por cima da “turca” colocavam um estrado de madeira.

Nestas condições estiveram encarcerados por longos períodos, que chegaram a atingir seis meses sem visitas, milhares de portugueses que lutaram contra a opressão do regime salazarista.

Devido a queixas várias, entre as quais da Amnistia Internacional, o Aljube acabou por ser fechado em Agosto de 1965 e em 1968 Marcelo Caetano ordenou a destruição dos “curros”.

No mundo concentracionário do fascismo português, que foi uma realidade brutal, a cadeia do Aljube constituía a primeira etapa do que era um verdadeiro Roteiro do Terror: seguiam-se longos interrogatórios, que chegavam a durar semanas, na sede da PIDE na Rua António Maria Cardoso, em cujas salas foram infligidas as torturas do sono e da estátua e executados brutais espancamentos. O Forte de Caxias, o Forte de Peniche e os terríveis campos de concentração do Tarrafal e de S. Nicolau, foram outros locais de opressão e tortura do regime salazarista.

O tempo de detenção dos presos, mesmo quando em cumprimento de pena, aplicada em julgamentos fantoches no sinistro Tribunal Plenário, ficava sempre ao arbítrio da PIDE e durava o tempo que esta entendesse ao abrigo da famosa lei das “medidas de segurança” que estabelecia que o tempo de condenação podia ser prorrogado por períodos de três anos renováveis: em resultado disso muitos resistentes passaram longos anos na prisão, sem nunca saberem quando seriam libertados.

Por todas estas razões e porque se assiste a uma consistente tentativa de apagar a memória do que foi a resistência ao fascismo, quando o regime democrático para o qual estes resistentes contribuíram significativamente se mantém estranhamente desatento a este passado, os signatários, ex-presos políticos, tomam a iniciativa de apelar a todos os companheiros de luta para que se juntem a nós na exigência da recuperação do edifício do Aljube como local de memória da resistência ao fascismo.

Não consentiremos no branqueamento do fascismo nem na deturpação da luta dos resistentes!

Lisboa, 1 de Julho de 2006

Subscrevem este manifesto os antigos presos políticos:

Aguinaldo Cabral; Alexandre Castanheira; Alfredo Caldeira; Ana Abel; António Almeida; António Borges Coelho; António Crisóstomo Teixeira; António Dias Lourenço; António Escudeiro; Armando Baptista Bastos; Artur Pinto; Carlos Brito; Carlos Sebrosa; Diana Andringa; Domingos Lopes; Edmundo Pedro; Fernando José Baeta Neves; Fernando Vicente; Fernando Rosas; Filipe Rosas; Hermínio da Palma Inácio; Isabel do Carmo; Jorge Araújo; Jorge Galamba Marques; Jorge Neto Valente; Jorge Vasconcelos; José Fonseca e Costa; José Manuel Taborda; José Manuel Tavares de Moura; José Medeiros Ferreira; José Manuel Tengarrinha; José Morais; Manuel Serra; Maria João Gerardo; Mário A. F. Neto; Mário de Carvalho; Matilde Bento; Nuno Teotónio Pereira; Rui M. Rodrigues Pereira; Sara Amâncio; Ulpiano Nascimento; Urbano Tavares Rodrigues.

Movimento “Não Apaguem a Memória”