Colóquio TARRAFAL – Uma Prisão dois Continentes

 

O Colóquio Internacional sobre o Tarrafal, que teve a presença de antigos presos portugueses – Edmundo Pedro e Joaquim de Sousa Teixeira – angolanos – Manuel Pedro Pacavira e Justino Pinto de Andrade – cabo-verdianos – Luís Fonseca – e guineenses – Constantino Lopes da Costa – encheu, ao longo do dia 29 de Outubro, o auditório da Assembleia da República.

A abertura do colóquio foi presidida por Jaime Gama, Presidente da Assembleia da República e contou com a presença de Alberto Costa, ministro da Justiça e de Dalila Araújo, Governadora civil de Lisboa.

Intervenções muito interessantes, testemunhos cheio de emoção e vivacidade retiveram constantemente a atenção da assistência que não se deixou desmobilizar pela intensidade do programa das 10 às 20h e 30 minutos. 5 painéis além da sessão de abertura, e da de encerramento, em que usaram da palavra um representante da Fundação Amílcar Cabral e o historiador Fernando Rosas – e fez mesmo questão de ouvir os nomes dos antigos prisioneiros guineenses, companheiros de Constantino Lopes da Costa, que este entendeu nomear.

Para lá da relevância histórica dos testemunhos ali apresentados – Justino Pinto de Andrade, por exemplo, apresentou um verdadeiro retrato sociológico dos presos angolanos e uma descrição vivíssima da emoção sentida pelos presos com a aproximação de um rumor, primeiro longínquo e indefinido e depois cada vez mais nítido e inacreditável, o rumor de uma manifestação que vinha anunciar, nesse 1º de Maio de 1974, que tinha havido um “25 de Abril em Portugal” e que as grades da prisão e as algemas já tinham caído em Portugal e tinham de cair também ali.

Houve também lugar à emoção, quando a mulher de Joaquim de Sousa Teixeira falou da vida clandestina de ambos ou se referiram os nomes dos mortos no Tarrafal, em cujo cemitério, para lá de portugueses, jazem também prisioneiros guineenses. Textos de Cândido de Oliveira, lidos por Jorge Sequerra, de Sophia de Melo Breyner e Alexandre O’Neill, lidos por Natália Luiza, foram também ouvidos com emoção.

O último painel – Os novos Tarrafais – veio lembrar a necessidade de não esquecer que existem ainda muitos campos de prisioneiros, de imigrantes e até de refugiados a que há que pôr cobro. Como é o caso de Guantânamo que tem absurdamente de esperar que Barak Obama, já eleito, tome posse como presidente do s EUA para que se ponha fim à tortura e outras práticas indignas de um país livre.

Organizado pelo Movimento Cívico Não Apaguem a Memória – NAM,em parceria com a Amnistia Internacional, a Comissão dos Direitos Humanos da Ordem dos Advogados, a CPLP e a Fundação Mário Soares o Colóquio Internacional “Tarrafal: uma prisão, dois continentes” veio, segundo cremos, encorajar novas iniciativas de colaboração.

A terminar, ficou o anúncio do Simpósio Internacional sobre o Campo de Concentração do Tarrafal, que, sob o alto patrocínio do Presidente da República de Cabo Verde, terá lugar na Vila do Tarrafal, de 29 de Abril a 1 de Maio de 2009 e para o qual o NAM está, desde já, convidado.

 

PROGRAMA

29 de Outubro de 2008, no Auditório da Assembleia da República

O colóquio em vídeo

09H30 Sessão de Abertura

Jaime Gama, Presidente da Assembleia da República.
Alberto Costa, Ministro da Justiça.
Dalila Araújo, Governadora Civil de Lisboa .
José Augusto Rocha, Pres Com. Direitos Humanos da Ordem Advogados.
Raimundo Narciso, Presidente da Direcção do NAM.

10H30 Pausa café

11H00 O Tarrafal dos resistentes portugueses

Edmundo Pedro – ex tarrafalista.
Joaquim de Sousa Teixeira – ex-tarrafalista grupo marinheiros da ORA
Maria da Luz Boal (Cabo Verde)
Comentário: Irene Pimentel (NAM-historiadora)
Moderação: Jacinto Godinho (jornalista)

13H00 Intervalo para almoço

14H30 O Tarrafal dos patriotas africanos
Luís Fonseca (ex-tarrafalista de Cabo Verde, ex-Sec. Executivo da CPLP)
Constantino Lopes da Costa (ex-tarrafalista, embaixador da Guinéem Lisboa)
Comentário: Mário Brochado Coelho (advogado)
Moderação: Vítor Nogueira (Amnistia Internacional)

16H00 Pausa café

16H30 Um caso de habeas corpus no Tarrafal
Jaime Cohen (leitura de depoimento de…)
Levy Baptista (advogado de ex-tarrafalistas)
Comentário: José Vera Jardim (deputado, advogado de ex-presos políticos)
Moderação: Juliana Mimoso (Ordem dos Advogados)

17H30 A libertação do Tarrafal
Miguel Judas (Oficial da Marinha do MFA na libertação do Tarrafal)
Justino Pinto de Andrade (ex-tarrafalista angolano, economista)
Comentário: Alfredo Caldeira (Fundação Mário Soares)
Moderação: Rui Ferreira (NAM)

18H30 Os novos Tarrafais
Luís Silva (Amnistia Internacional)
Comentário: Eduardo Maia Costa (Juiz-Cons. Supremo Tribunal de Justiça)
Moderação: Diana Andringa (NAM).

19H30 Encerramento:
Álvaro Dantas Tavares (Fundação Amílcar Cabral)
Fernando Rosas (historiador)

nota: as ligações no programa remetem para as intervenções em vídeo no Colóquio. Irão sendo colocadas ao longo do tempo e aparecerão sempre que actualizadas na primeira página.

Agenda NAM

Plenário de associados e apoiantes

 

Desde a sua criação, em Maio deste ano, a Associação – Movimento Cívico Não Apaguem a Memoria desenvolveu uma série de iniciativas tendentes a sensibilizar a opinião pública sobre os fins que perseguimos, iniciativas de que demos conhecimento por mailing list. Mas uma Associação não é, apenas, um grupo de corpos gerentes eleitos, mas sim de pessoas que se mobilizam em torno de objectivos comuns.

 

Apelamos, por isso, à participação de todos os associados e apoiantes no Plenário que terá lugar  nas primeiras semanas de Janeiro de 2009 na sede do NAM, na Rua da Emenda, nº 107 – R/C ( ao Chiado) em data e com ordem de trabalhos que serão anunciados oportunamente aqui.

Será feito um balanço do trabalho desenvolvido pelo NAM (de Junho a Dezembro de 2008. É uma oportunidade para um debate sobre os Grupos de Trabalho, sobre o seu funcionamento e inscrição de novos colaboradores.

Será feita também uma apresentação e discussão do programa de trabalho para os meses seguintes e discutida a organização da Assembleia Geral ordinária que terá lugar em Março ou Abril de 2009.

Haverá igualmente oportunidade para discutir as questões mais candentes no momento.

 

Pousada no Forte de Peniche

Este tema tem suscitado notícias e polémica na comunicação social. Está em causa a preservação da Memória de um dos locais mais simbólicos da luta contra a ditadura e pela liberdade. Será ela assegurado dando-se prioridade a interesses comerciais e turísticos e secundarizando  o dever do Estado de preservação da Memória? Ver comunicado do NAM no neste site (link).

 

 

Sócios Honorários

 

Este é um assunto que não deixará de ser ponderado e decidido na próxima assembleia geral do NAM.

Tal como referido no número dois do Art. 6º dos Estatutos existe a categoria de Associados Honorários. Poderão ser reconhecidos na qualidade de Associados Honorários, pessoas que se notabilizaram na luta contra a ditadura ou que de algum modo contribuem para o objectivo do Movimento Não Apaguem a Memória.

A escolha destes associados será feita por proposta da Direcção ou subscrita por um mínimo de vinte associados, a aprovar em Assembleia Geral. O convite será formalizado pelo Presidente da Mesa.

 

 

Conselho da Memória

 

A Próxima Assembleia Geral poderá discutir e decidir a criação de um Conselho da Memória constituído por sócios Honorários de 2009 com as funções de órgão consultivo da Direcção e com capacidade de iniciativa para recomendações à esta 

 

 

Debates

 

Encontram-se em estudo a realização de um colóquio sobre as lutas estudantis dos anos 1958 a 1962 ou a 1968. Pondera-se a possibilidade de se alargar o tema a outras lutas políticas contra o regime de então e/ou a comparação com lutas estudantis de outros países.

 

 

Constantino Lopes da Costa

“…Não havia para nós nem água da torneira para beber. Manhã muito cedo chegava uma carreta de bois com água e enchíamos um tambor. Um tambor desses de gasolina de 100 ou 200 litros, para 24 horas. E éramos 100 presos. E nada mais.

Até às 11 horas a água ficava vermelha da ferrugem. E tínhamos de a beber… Em poucos meses veio a bênção. Todos os presos com uma inflamação horrível da pele que não podíamos vestir nem uma camisa…

Mas também pensávamos naqueles que por lá passaram antes de nós[os presos portugueses]. Se agora em 1962 era assim como não teriam sido tratados os que passaram por cá em 1936… Assim pensávamos.


Intervenção do Constantino Lopes da Costa no Colóquio do Tarrafal na TV do NAM

Não ficámos com ódio por ninguém. Nós estávamos politizados. Estávamos a lutar por uma causa. Não havia que ficar com ódio por ninguém. Éramos adversários numa luta.”

[Extracto da intervenção – no colóquio promovido pelo NAM, Tarrafal uma prisão dois continentes, em 29 de Outubro de 2008, na Assembleia da República – do ex-prisioneiro guineense do Campo de Concentração do Tarrafal, Constantino Lopes da Costa, hoje embaixador da Guiné em Lisboa.]

nota: Os vídeos do Colóquio vão sendo actualizados com os depoimentos na íntegra.

Cruzada contra o apagamento da memória é o título do Publico

Público

9 de Novembro de 2008

 

 

 

 

Em Setembro passado, quando foi anunciado que a Câmara Municipal de Peniche e a Enatur tinham retomado as conversações para a construção de uma pousada no velho forte de Peniche irrompeu uma polémica que se arrasta até hoje.

 

No centro do debate que envolve historiadores, resistentes antifascistas, o Partido Comunista Português (PCP) e a autarquia penichense, está a associação, num espaço que foi prisão de presos políticos durante o Estado Novo, de uma unidade hoteleira e do Museu da Resistência. As divergências, que se estenderam para a imprensa e para a blogosfera, resultaram num combate retórico: de um lado, estão a autarquia, o PCP e a União de Resistentes Antifascistas Portugueses (URAP); e do outro, está sobretudo o movimento cívico Não Apaguem a Memória (NAM).— Os primeiros argumentam que é possível conciliar a vertente turística com o espaço museológico ali já existente (que deverá ser ampliado e melhorado, defendem); enquanto o NAM fala em incompatibilidade, desvalorização do museu e risco de perda da memória museológica do fascismo português.

 

Depois da transformação da antiga sede da PIDE em Lisboa, na rua António Maria Cardoso, num condomínio de luxo, e do anunciado projecto de converter o Tribunal da Boa Hora (antigo tribunal plenário) num hotel de charme, a direcção do NAM não quer perder mais combates e está determinada em lutar para que o Museu da Resistência (numa versão aperfeiçoada e aumentada) seja “o centro das atenções” da Fortaleza de Peniche. “E importante dar a conhecer o que foi a luta pela liberdade durante o Estado Novo”, afirma Raimundo Narciso, presidente do NAM.

 

Num artigo de opinião datado de 11 de Maio de 2006, publicado no PUBLICO, Pacheco Pereira foi um pouco mais longe do que o NAM. Defendeu que o Museu da Resistência deveria ser dotado de uma “dimensão” que extravasasse a “memória prisional”, propondo que o espaço fosse também um “repositório museológico mais vasto do meio século do Estado Novo”. “A resistência não se percebe sem se perceber o regime”, argumentava o historiador. “Está na altura de congregar tudo isso numa instituição própria que preserve a memória, permita a história e favoreça a investigação, sem apagar a recordação dos tempos negros da ditadura. Não se trata de relativizar a história, mas de começar o caminho para tomar o século XX compreensível para as novas gerações que nunca o verão com a dimensão ética e sentimental dos que foram seus protagonistas.”

 

Também o historiador João Madeira considera que o país tem condições para “resgatar” a memória da história da ditadura sob uma “perspectiva séria e rigorosa”. Contudo, embora esteja “ao lado” daqueles que se opõem à construção da pousada no Forte de Peniche, o co-autor de Vítimas de Salazar. EstadoNovo e violência política (2007) não é apoiante da ideia “imobilista e tradicional” de um museu da ditadura. “No país há locais susceptíveis de constituir uma rede da memória, com lugares e percursos. A preservação da memória deve ter um sentido dinâmico e uma abrangência social”, diz, acrescentando que a criação de um roteiro deve ir além das dimensões monumentais e documentais,

 

 

Um museu no Aljube?

 

Apesar de as divergências em torno do Forte de Peniche continuarem a ecoar em vários meios, o projecto de construção da pousada não tem tido desenvolvimentos. Ao P2, o presidente da câmara, António José Correia, disse aguardar um encontro com o Conselho de Administração da Enatur para o estabelecimento de “um plano de trabalhos com vista à concretização” da instalação da unidade hoteleira. E fez notar que “neste momento não há nenhum projecto em elaboração”. Quanto às críticas de que a autarquia tem sido alvo, especialmente por parte do NAM, António José Correia reiterou que “a preservação da memória deverá ficar salvaguardada na elaboração do projecto” e sublinhou que já recebeu essa mesma “garantia” por parte da direcção do Turismo de Portugal.

 

A par desta polémica sobre o Forte de Peniche, o NAM — prossegue a sua cruzada contra o “apagamento” de alguns dos símbolos do regime autoritário. Protestou veementemente contra a construção do condomínio Paço do Duque, na rua António Maria Cardoso, e já augurando um destino diferente para o Tribunal da Boa Hora, descerrou uma lápide evocativa da “justiça” do tribunal plenário que ali funcionou entre 1945 e 1974. “Os governos portugueses não foram — sensibilizados para uma politica de preservação da memória”, nota Raimundo Narciso. O mesmo não aconteceu em Cabo Verde, onde a antiga Colónia Penal do Tarrafal, criada pelo Governo de Salazar em 1936, foi declarada Monumento Nacional em 2006.

 

Mas o movimento cívico que mais tem pugnado pela protecção dos lugares associados à memória da repressão não quer que a sua acção se limite a placas e memoriais. Há vários projectos na calha: a criação de espaços museológicos na antiga sede da PIDE no Porto, actual Museu Militar, e no Aljube (que acolhe valências do Ministério da justiça).

 

Raimundo Narciso diz que o NAM tem estado em conversações com o ministério da Justiça e a Câmara de Lisboa para converter a cadeia do Aljube em museu da resistência e da liberdade. O primeiro passo para a realização deste museu será a realização de uma exposição na antiga cadeia política em 2010 no âmbito das comemorações do centenário da República.